Pra Lei do Silêncio, Johann Sebastian Bach é um criminoso!
Uma das características boas das sociedades modernas
é sua a preocupação com a ecologia e todos os aspectos que envolvem o bem estar
da sociedade. E isso se consubstancia, em parte, na qualidade e abrangência de suas leis
ambientais. E como nada é pra sempre, principalmente em se tratando de normas
específicas, onde a vida social é dinâmica, o planeta sofre todos os dias
degradações, novas soluções e problemas surgem da noite pro dia e os regulamentos precisam ser atualizados, revisados
pra ficar mais próximos da harmonia com o seu tempo. E pra isso, atendendo aos
anseios da sociedade campo-grandense, o Conselho Municipal de Cultura e a
Fundação Municipal de Cultura farão um seminário no dia 23 de Setembro deste
ano, pra estudar e fazer melhorias na
Lei do Silêncio, lei esta, criada ainda
no governo municipal de Juvêncio da Fonseca no começo dos anos 1990, tendo em
vista que sua aplicabilidade hoje está gerando uma série de problemas na cidade,
como fechamento de bares, confusões nas feiras, uma série de indisposições com
os artistas de ruas, pendengas diversas com as manifestações artísticas nos
bairros e um contumaz abuso de autoridade por parte dos órgãos fiscalizadores.
As contendas envolvendo a Lei do Silêncio ganharam maior visibilidade quando da
proibição de shows musicais na
tradicional feira agropecuária da capital. Mas é preciso que fique bem claro
que não se quer acabar com a Lei do Silêncio, mas sim humanizá-la, ampliá-la, melhorá-la. Pra isso todos os segmentos sociais
envolvidos deverão fazer presença para essa nova construção, já que se vai
mexer com um dos bens mais preciosos da sociedade: as suas manifestações
culturais.
A lei do Silêncio da forma como está redigida é anacrônica,
segregacionista, musicofóbica e consequentemente preconceituosa. Ela valeria
tanto para os tempos das cavernas como
para os dia de hoje, pois para suas definições, tudo que é produzido em termos de sons é
considerado barulho. Esse é o paradoxo da
Lei do silêncio, pra ela não há distinção do som de uma britadeira para o som
de um violoncelo. Uma orquestra sinfônica e um trator é tudo igual. Contudo, a
sociedade evoluiu e produziu música, produz cultura. E a música é uma das
maiores elaborações que a humanidade já organizou. A música causa bem estar e
felicidade e até agora não se conhece nenhuma sociedade que não necessite de
música. Portanto, no processo de
ampliação da Lei do Silêncio é preciso contemplar isso, inserindo também na lei
o conceito de produção de um som que não caracterize barulho, ou seja, explicar
a música como um todo e consequentemente todo o arcabouço de definições que
incidem diretamente nessa manifestação artística humana. Uma vez diferenciado
música e barulho, na lei, a fiscalização para o controle da emissão de sons
será diferenciada. A Semadur deverá ficar com seus afazeres habituais que
é atuar e fazer cumprir a lei com
relação ao barulho, à perturbação do
sossego dentre outras suas atribuições pertinentes, mas com relação à musica,
às manifestações artísticas públicas, um
conselho de gestores de cultura, compostos por músicos, maestros, intelectuais,
antropólogos, produtores, estudiosos é que avaliarão cada caso. Esse conselho é
que estará preparado para dar o veredito final. Isso incidirá diretamente
contra a ditadura dos aparelhos de medição de barulho em que a cultura se
encontra refém hoje e está gerando toda essa problemática desnecessária! A
ideia precípua dessa nova mudança é separar o joio do trigo: música não é
barulho!
Outra, a Lei do Silêncio é segregacionista porque propõe o
confinamento das manifestações artísticas através de tratamentos acústicos
recorrentes. Isso na prática significa que não possível fazer música em
ambiente aberto, porque dentro da média
de sessenta decibéis de sons permitidos
pela lei, inviabiliza toda manifestações ao ar livre. Na realidade esse confinamento proposto pela lei está
transformando os bares da cidade em boates como o Bodega e o Miça na Afonso
Pena e adulterando indiscriminadamente a paisagem arquitetônica da cidade e por
sua vez decretando o fim do bar tradicional. E o preço desse abafamento
cultural é alto, em média 70 mil reais
são os custos pra fazer uma adaptação acústica, penalizando os pequenos
comerciantes. Se as grandes civilizações tivessem sofrido essas agressões de
confinamento teria sido dizimada boa parte da cultura humana, pois as
manifestações artísticas foram forjadas nas ruas, nas praças em ambientes
livres! Uma ilustração: se Johann Sebastian Bach fosse reger uma grande
orquestra ao ar livre,em Campo Grande, hoje seria considerado pela lei, um criminoso ambiental, um bandido! E é assim
como é visto por parte dos fiscalizadores da lei do silêncio: donos de bares
são criminosos ambientais. Nossa arte de um modo geral praticada em ambientes
livres é vista pela lei como crime! Mesmo na contramão, porque a garantia individual expressa no art.
5º, IX, da Constituição Federal de 1988 diz que “é livre a expressão da
atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente
de censura ou licença”. E essa deturpação é que precisa ser corrigida
urgentemente! E que Campo Grande seja um celeiro de fartura cultural!
* Raimundo Edmário Guimarães Galvão é músico e tem
participado ativamente no processo de mudanças da lei do silêncio em Campo
Grande.
Fonte Jornal Eletrônico Campo Grande News
Fonte Jornal Eletrônico Campo Grande News
Nenhum comentário:
Postar um comentário