segunda-feira, 19 de agosto de 2013

Promotor de Justiça Alexandre Raslan fala sobre a Lei do Silêncio

Entrevista concedida à jornalista Bruna Lucianer, para o jornal Correio do Estado, publicada em 6 de fevereiro de 2010.

A Lei do Silêncio existe e é bem clara: qualquer cidadão que se sentir incomodado pelo som alto pode ligar para a polícia e pedir providências. E quem pensa que a transgressão não dá em nada, está enganado. O Ministério Público deu lição de cidadania ao cancelar shows e outros eventos que tornaram a vida dos vizinhos ao Parque de Exposição Laucídio Coelho num inferno durante as madrugadas. Por esta iniciativa, parcela mínima de interessados em auferir lucros ensaiaram alvoroço na Capital, mas a sociedade civil organizada está apoiando a decisão do Ministério Público, que promete mesmo rigor para casos iguais.


Nesta entrevista, o Promotor de Justiça do Meio Ambiente, Alexandre Raslan, reforça a atuação da Justiça e revela que este, o caso da Acrissul, não é o único nem será o último. "Obviamente, este precedente e outros já anteriormente julgados pelo Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul contra a poluição sonora podem servir para outras situações".


Raslan faz questão der ressaltar que a filosofia empregada nos casos sob sua responsabilidade é procurar, sempre, solução consensual. Assim, são realizadas reuniões de trabalho para discussão e busca de soluções consensuais. As ações judiciais somente são propostas quando há recusa de acordo ou há o abandono das negociações para o acordo. "Com a Acrissul não foi diferente".



Alexandre Lima Raslan – Promotor de Justiça do Meio Ambiente


1. O Parque de Exposições Laucídio Coelho funcionava sem as devidas licenças ambientais? Desde quando?


Sim, a Acrissul vem operando o Parque de Exposições sem as devidas licenças ambientais para as atividades de shows, eventos musicais em geral e rodeios, especificamente. Segundo o órgão ambiental municipal desde 2004 a Acrissul não dá prosseguimento ao procedimento de licença ambiental. Em outubro de 2008 a Acrissul foi notificada por meio do Comunicado nº 1.250/2008 para que apresentasse projeto de isolamento acústico para a atividade de “musica ao vivo” e/ou mecânica em conformidade com o Termo de Referência – TR 046, a fim de atender o Limite de Ruídos estabelecidos pela Lei Complementar nº 08 de 1996, para a área aberta onde há realização de eventos e shows. Até a decisão da 5ª Turma Cível do Tribunal de Justiça tal exigência não havia sido atendida. Mesmo transcorridos aproximadamente três anos.


2. Porque só agora ocorreu o pedido de proibição da realização dos shows?


A filosofia de trabalho que emprego nos casos que estão sob minha responsabilidade é procurar, sempre, uma solução consensual. Assim, são realizadas reuniões de trabalho para discussão e busca de soluções consensuais. As ações judiciais somente são propostas quando há recusa de acordo ou há o abandono das negociações para o acordo. Com a Acrissul não foi diferente. Desde agosto de 2009 houve diversas tentativas de entendimento com a Acrissul, tendo sido realizadas reuniões de trabalho, inclusive com a presença de advogados e representantes do órgão ambiental municipal. Contudo, desde o dia 08.03.2010 a Acrissul não mais compareceu, abandonando as negociações. Assim, a propositura de ação é a medida adequada juridicamente para a defesa dos interesses ofendidos pela atitude ilegal da Acrissul. Frise-se, por ser importante, que a ação não busca a proibição dos shows e eventos em geral, mas, sim, que a Acrissul cumpra a legislação ambiental federal e municipal, as resoluções do Conselho Nacional de Meio Ambiente e demais normas técnicas, a exemplo da NBR 10151 (Acústica – Avaliação do ruído em áreas habitadas, visando o conforto da comunidade – Procedimento). Assim, não é verdade que a Acrissul foi surpreendida pela decisão judicial, já que tinha conhecimento pleno do recurso que iria ser julgado, tendo, inclusive, apresentado defesa.


3. Houve denúncias ou intensificação de reclamações por causa do barulho nos últimos meses?


Em primeiro lugar a legislação ambiental e em especial a NBR 10151 fixam condições exigíveis para avaliação da aceitabilidade do ruído em comunidades, independentemente da existência de reclamações. Não obstante, as denúncias e reclamações se intensificaram desde o início das investigações que resultaram na ação civil pública proposta. Apenas para ilustrar, levantamento feito para o recurso indica que durante o ano de 2010 houve a realização, em média, de 01 (um) show ou evento musical ou rodeio a cada 07 (sete) dias. A decisão da 5ª Turma Cível do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul (TJMS) (Agravo nº 2010.037575-7), composta pelos Des. Sideni Soncini Pimentel (relator), Julio Roberto Siqueira Cardoso e Vladimir Abreu da Silva reconheceu, unanimemente, o seguinte: “De sorte que o reconhecimento da realização de atos violadores de normas ambientais, nocivas à população urbana, e também do intuito manifesto e confesso de reiteração dessa conduta, caracteriza perigo da demora. Diante dessa realidade, entendo inarredável a concessão da liminar para fazer cessar os danos ambientais, posto que presentes os requisitos, até que se adotem as medidas necessárias à sua prevenção, na forma indicada na inicial”.


4. A Associação dos Criadores de Mato Grosso do Sul (Acrissul) já chegou a ser multada em função da realização de shows sem as devidas licenças?


Sim, houve lavratura de autos de infração. Durante as investigações a Promotoria de Justiça requisitou ao órgão ambiental municipal que realizasse vistoria para a realização de medições dos ruídos e da poluição sonora decorrentes de shows e eventos musicais em geral. Frise-se que o Parque de Exposições está situado em área residencial, cujo limite máximo de ruído para o período noturno é de 45 (quarenta e cinco) decibéis. Todos os shows e eventos musicais ultrapassaram este limite. O show que produziu o menor ruído chegou a 72 (setenta e dois) decibéis e o que mais extrapolou os limites chegou a 81 (oitenta e um) decibéis.


5. Qual o posicionamento da Acrissul junto ao Ministério Público? Eles entregaram algum documento ou providenciaram um Estudo de Impacto de Vizinhança?


Não. Nem tenho informações oficiais, comprovadas por documentos, de que a Acrissul tenha dado prosseguimento ou iniciado qualquer procedimento de licenciamento ambiental para atender à decisão da 5ª Turma Cível do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul (TJMS).


6. O Parque de Exposições é zona residencial e deve-se respeitar o limite máximo de ruídos fixados pela Lei nº 2.909/92 e Lei Complementar Municipal nº 08/96. Mas é o único espaço específico para a realização de eventos de “grande porte” em Campo Grande. Uma parcela significativa da população é contra a proibição da realização dos shows. Qual o posicionamento do Ministério Público sobre esse impasse?


Repito: a ação civil pública e a decisão da 5ª Turma Cível do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul (TJMS) não visam a proibição de shows, eventos musicais em geral ou rodeios. O que foi decidido é que para que haja a realização de eventos que produzam ruídos ou poluição sonora deve a Acrissul se adequar às normas legais, ambientais ou urbanísticas, passando a agir dentro da legalidade, como é exigível de todos numa democracia. Pois, relembro, não há democracia sem liberdade, como não há liberdade sem responsabilidade. E é essa responsabilidade que a decisão judicial impôs à Acrissul.


7. Qual a real probabilidade de que os shows no Parque de Exposições sejam suspensos definitivamente?


Mais uma vez chamo a atenção para o seguinte: a responsabilidade pela realização ou não de shows, eventos musicais e rodeios no Parque de Exposições é exclusivamente da Acrissul. A ação civil pública pleiteia e a decisão da 5ª Turma do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul (TJMS) apena impõe condições a serem cumpridas previamente para a sua realização. Doravante, cabe a Acrissul, como empreendedora privada, que aufere lucro com a atividade, realizar investimento para a adequação à legislação ambiental e urbanística.


8. Há vários bares e casas noturnas na região central da cidade, especialmente na Avenida Afonso Pena. Não há problemas quanto ao barulho nesses locais?


Com relação a estes estabelecimentos, que não são poucos, há procedimentos instaurados e a serem instaurados nas Promotorias de Justiça do Meio Ambiente de Campo Grande-MS.


9. Também são constantes as “algazarras” em postos de combustível e nos altos da Avenida Afonso Pena. Há como fiscalizar essas infrações? De quem é essa responsabilidade?


A fiscalização destes fatos, independentemente do lugar onde ocorram, cabe aos órgãos do Poder Executivo Municipal e Estadual, em atuação complementar. A Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Desenvolvimento Urbano (SEMADUR), a Delegacia Especializada de Crimes Ambientais e Proteção ao Turista (DECAT), a Delegacia Especializada de Ordem Pública e Social (DEOPS) e a Policia Militar, devem atuar preventiva e repressivamente. A Promotoria de Justiça vem articulando com estes órgãos e seus superiores hierárquicos uma estratégia de atuação preventiva e pedagógica, reservando para os descumpridores da legislação a repressão.


10. Recentemente foi noticiada a dificuldade encontrada por moradores do bairro Coophamat em conviver com o barulho proveniente de uma conveniência localizada na Avenida Marechal Deodoro. O problema só ganhou visibilidade quando um rapaz foi assassinado em frente ao local. Os bairros não enfrentam problemas tão ou mais graves que os enfrentados pelos moradores dos arredores do Parque de Exposições? As denúncias são frequentes?


Perceba como a questão ganha contornos graves, mas de simples constatação. Quando editada a conhecida Lei Seca havia a impressão de que o funcionamento de estabelecimentos no sistema de “24 horas” seria uma exceção. Pois bem, ao que parece, isso se tornou uma regra. Não obstante, alguns estabelecimentos funcionam ininterruptamente mesmo sem essa licença especial. A solução? Bem, uma fiscalização mais eficiente e melhor estruturada, sem prejuízo da concessão mais criteriosa destas licenças especiais. Veja que a poluição sonora e a perturbação da tranquilidade são apenas parte de um problema maior, o da segurança da saúde e da incolumidade física das pessoas. No exemplo, dadas as condições em que funcionam alguns estabelecimentos, potencializa-se ao máximo a ocorrência de crimes mais graves, como o homicídio. Aglomeração de pessoas, venda e consumo indiscriminado de bebida alcoólica, drogas etc. podem gerar, em algum momento, uma tragédia. Como vem acontecendo.


11. O Ministério Público já ajuizou ações semelhantes na Justiça pedindo a proibição de eventos em estabelecimentos? Quais?


Sim. Há outras ações civis públicas ainda sob julgamento do Poder Judiciário. Algumas ações tem como rés empresas que produzem ruídos, como beneficiadoras de sementes etc. Recentemente, foi proposta uma ação civil pública contra vários réus que, mesmo notificados com dias de antecedência pelo órgão municipal ambiental para a não montagem da estrutura e realização do evento, iriam realizar o evento.


12. A decisão pode ser estendida para outros locais?


A decisão da 5ª Turma Cível do TJMS obriga apenas a Acrissul. Contudo, o TJMS, em todos seus órgãos julgadores, vêm demonstrando elevado nível de compreensão e comprometimento com a defesa do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos. Obviamente, este precedente e outros já anteriormente julgados pelo TJMS contra a poluição sonora podem servir para outras situações.


13. Quantos inquéritos estão em andamento no Ministério Público por conta de denúncias de poluição sonora?


O número é considerável, aumentando a cada dia em razão das denúncias que chegam por meio da Ouvidoria do Ministério Público Estadual, de representações trazidas pessoalmente por pessoas, grupos de pessoas ou associações. Todos os casos são tratados conforme suas peculiaridades, buscando-se sempre o prévio entendimento para a solução consensual.



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